Um conto que rendeu contos...

A nossa coordenadora Petronilha Alice Meirelles foi premiada em outro concurso com o terceiro lugar. O concurso Qualidade de vida saudável, teve como tema "Direitos do idoso" no gênero textual Contos.

Quer ver o texto premiado? Leia abaixo na íntegra.

Espelho, espelho meu...

Marinelva envelhecia. Desesperada via o seu envelhecer sem poder detê-lo. Para ela era o fim.

Pesava que antigamente o envelhecer era normal, lembrava-se da sua bisa, que não pintava os cabelos e era a deusa do respeito e da sabedoria, mas se fosse hoje talvez fosse diferente.

Como seria com ela, questionava sempre? Viraria uma bruxa, seria execrada em praça pública, porque assustaria criancinhas e jovens que só gostavam do belo, das pessoas saradas? Viveria isolada e depressiva sem trabalho? Iria para o asilo, porque seu único filho não teria paciência para aturar velha?

A mulher já assistira ao filme antes no telão da vida. Seu marido bem mais velho do que ela, sofrerá com a falta de um trabalho após a aposentadoria. Ainda em fase produtiva, cheio de experiência para passar, perdeu para os mais jovens e inexperientes na busca de manter-se ativo no trabalho. Com a miserável aposentadoria, chegou à depressão e morreu.

Além disso, presenciara a triste cena do seu vizinho. Idoso sofria maus tratos, apanhava do filho sarado e da mulher própria mulher. Quantas vezes teve o ímpeto de denunciá-los, mas por covardia não o fez. Talvez medo que descobrissem e sofresse ameaças.

O tempo passou a correr, a correr, a correr. As rugas surgiam cada vez mais profundas, pouco a pouco os cabelos iam embranquecendo, a pele cada vez mais era tomada pela flacidez, a estatura encarquilhava, as mãos enrugavam. Ela perguntava ao espelho que era seu fiel mais companheiro.

            - Espelho, espelho meu existe alguém no mundo mais velha do que eu? O sábio espelho que a acompanhavam desde os quinze anos respondia:

            - Sim. Existem pessoas mais velhas que você, bela mulher! Todos no mundo vieram marcados pelo direito de envelhecer, todos envelhecerão! A juventude eterna é para os que morrem cedo. Para você chegou um novo tempo.  É a nova vida. Aproveite-a!

            Ela pensou, pensou e pensou. Que nova vida era essa? Era mesmo o tempo da velhice. Todo aquele aspecto angelical da juventude se desvanecia, entretanto a beleza da bondade permanecia só que ninguém via. Uma sabedoria sem limites insistia em ficar. Mas para quê? Iria servir para alguém? A juventude não quer saber de velhos.

                        Acontece que Marinalva reagiu e começou a associar a degeneração das funções vitais com a perfeição de coisas internas que poderiam funcionar como o elixir da juventude. Falou para si mesma:

- Por que devo me isolar como a vovó da Chapeuzinho Vermelho e as bruxas malvadas dos contos? Novamente foi consultar o espelho:

- Espelho, espelho meu preciso ser sempre dócil, isolada e submissa, pois não reina mais a beleza? O espelho respondeu:

- Continuas bela! Poderás reinar dentre todos os jovens da face da Terra! A velhice dignifica o homem! Reine mulher, aproveite o teu tempo de envelhecer! Lute por seus direitos! Dissemine o teu saber.

Decidiu renovar-se como as águias, renasceria para o mundo como a fênix ressurgiu das cinzas.

Desde esse dia Marinalva resolveu defender seus direitos, começando pelo de envelhecer. Pensou nas reportagens que apontam que em breve o Brasil será um país de idosos e ela certamente faria parte dessa estatística.

 Diante os pensamentos noturnos antes melancólicos e moribundos, pouco a pouco foram se desnudando e vestiram roupagem nova. Abriu a alma e deixou transparecer seu espírito renovado, livre de opressões. Estava pronta para sair livre. Iria dançar usar biquíni, frequentar academia até voar de asa delta, um desejo antigo de menina.

Enfrentaria todos os preconceitos, denunciaria as discriminações, porque envelhecer é preciso, faz parte do ciclo da vida. Por que ter medo?

Então um novo tempo renasceu dentro do seu coração. Era tempo de envelhecer, tempo de ser respeitada, tempo de amar, tempo de trabalhar, tempo de estudar, tempo de perder tempo no Facebook, era tempo de ser ousada. Era  tempo de ser feliz...

E mais uma vez consultou o espelho:

- Espelho, espelho meu existe no mundo uma idosa mais feliz do que eu?  O espelho respondeu:

- Sim. Todos os idosos estão conquistando seus direitos. O direito de envelhecer feliz!

Parabéns, tia Alice, por mais este prêmio!

Estamos orgulhosos!